Esperteza, ética e o porquê de planos de saúde serem tão caros
- Daniel Kalixto
- 25 de mar.
- 4 min de leitura
Unanimidade, reclamação geral, piores ainda para os idosos: os planos e seguros de saúde nunca estiveram tão caros. As razões parecem justificadas pelos tais cálculos atuariais, onde as contas não fecham e pelo grande número de operadoras no vermelho. Pacientes-usuários sufocados pelos custos e prestadores de serviços (hospitais, clínicas de diagnóstico, médicos, etc.) insatisfeitos com a relação contratual de adesão, na qual, embora tão privilegiados pelo credenciamento que lhes reserva ampla clientela, sentem-se submissos, mal pagos e até explorados.
São muitas as causas e culpas alegadas: envelhecimento e empobrecimento da população, dólar alto, novos tratamentos e tecnologias, operadoras mal administradas, corrupção interna, legislação mal feita, agência reguladora inepta e judiciário supersensível aos dramas humanos, mas que ao desconsiderar regras, normas e contratos, promove uma exótica e contraditória linha ideológica de insegurança jurídica, algo como justiça social com as próprias canetas e o bolso dos outros. E completando um quadro chocante de impunidade geral, temos os prósperos e vingativos profissionais que indicam insumos, não porque sejam sempre necessários ou imprescindíveis, mas porque recebem uma sacola de cédulas a cada aplicação.
Resultado: implosão do sistema!
Nessa linha, alguém acha que um ator que insista em agir corretamente consegue prevalecer ou sobreviver? Difícil...
Poderíamos analisar cada item, mas nosso propósito aqui é outro: trazer uma forma pragmática e imediata de reduzir custos para todos. Totalmente viável, mas dirão muitos, impossível – na nossa incultura de péssimos hábitos e costumes.
Explico: um casal de idosos que tenha um bom plano de saúde, intermediário (não básico ou executivo), desembolsa hoje no mínimo R$ 6.000 ao mês, para obter cobertura para consultas, exames e internações (com CTI, cirurgias e tudo o mais). Note-se que os planos que aceitam livre escolha são ainda mais caros, sem que as causas desse absurdo sejam esclarecidas.
Bem, dos riscos financeiros agregados, pagar diretamente consultas ou exames está longe de ser o maior problema. O pior temor dos usuários, o que nos move a todos para contratar um plano ou seguro, sem dúvida alguma, advém de internações hospitalares prolongadas ou procedimentos de alto custo, em que a despesa fica em aberto, podendo comprometer, senão inviabilizar, o patrimônio de uma pessoa ou família. E claro, cientes da incapacidade crônica do SUS de cumprir sua missão constitucional, e movidos por desesperada necessidade de segurança, apela-se a arapucas tão baratas quanto incapazes de dar assistência...
Sabe-se que um plano somente hospitalar, que não inclua atendimento ambulatorial e exames, mas somente emergências e internações, custa entre 45 e 55% de um plano total, que cobriria todas as situações. Num cálculo simples, o casal citado gastaria “somente” cerca de R$ 3.500 ao mês, ao invés dos R$ 6.000, gerando uma “economia” imediata de R$ 2.500 ao mês, R$ 30.000 ao ano, ou R$ 300.000 em 10 anos. E, aplicando essa diferença poupada numa conta específica de “saúde”, cabe uma pergunta imediata: alguém acha que irá gastar R$ 30.000 ao ano em consultas e exames “particulares”? Muito provavelmente não.
Então surge a questão: por que não existem mais esses planos tão inteligentes - somente hospitalares, no mercado? Por que foram extintos? Seria por causa da ganância das operadoras? Teriam estranha preferência pelos planos totais, de maior custo, e de controle muito mais complexo? Por qual oculta razão todas abririam mão de oferecer um produto melhor e mais acessível?
Na verdade, lamento opinar que esses planos hospitalares foram inviabilizados pela esperteza de não sei quantos cidadãos, médicos e usuários. E pela omissão, leniência ou cumplicidade de órgãos fiscalizadores, de defesa do consumidor e judiciário.
Como funcionava e possivelmente ainda funciona o infame esquema? De forma simples e direta: pacientes constrangem “sutilmente” os médicos a interná-los para poderem fazer os exames aos quais não teriam cobertura, se feitos ambulatorialmente. Médicos, constrangidos ou aderentes, aceitam para não perderem os clientes, e assim cobram visitas hospitalares, o que lhes é vantajoso. E criam justificativas de internação (algo altamente subjetivo!), apontando sinais e sintomas de maior risco, como dor abdominal, precordial e isquemias, que precisariam ser esclarecidos emergencialmente. Tecnicamente, trata-se de um conluio...
A operadora teria que dispor de auditores para avaliar in loco cada caso, examinar o paciente e, de modo a concordar ou não com a internação e requisições feitas. Mas como fazer isso, se os sintomas podem ser simulados ou alegados, e as normas da corporação médica não permitem que seja questionada uma indicação médica? Ou seja, discordar da palavra do médico assistente passa a ser considerado delito ético sujeito a processo no CRM. Além disso, ainda temos os usuários pressionando os planos, e dispostos à via judicial, que lhes garante o supremo direito de seguir a sagrada prescrição do seu médico. Crime perfeito.
Nesse clima hostil, o que fizeram as operadoras ao constatar que esse tipo de plano dava prejuízo, já que abusos e irregularidades não poderiam ser corrigidos? Decidiram pura e simplesmente extinguir o melhor produto do mercado – o plano hospitalar. Fim da linha para o consumidor, e todos perdemos. Pena, pois bastava sermos continuamente rigorosos nos critérios de internação...
Em resumo, a esperteza é sempre egoísta, ineficaz, burra e cara. Fica a sugestão utópica de nos mantermos éticos e unirmos esforços para vivermos todos mais e melhor. A tal vida boa para todos, paradigma de todas as ideologias e religiões. Ah, dos não alinhados e ateus também, vale ressaltar. Entretanto, sinceramente, não imagino vir a ser ouvido, ou vivenciar um rápido despertar de consciência; mas cabe o registro formal, tão indignado quanto contido. Só não digam que não foram avisados...
Marcos Sarvat, médico formado pela UERJ em 1981, mestre pela UFRJ, doutor pela UNIFESP otorrinolaringologista e cirurgião de cabeça e pescoço, professor associado da EMC-UNIRIO 18/3/25
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